Relatos de casos de assédio e abuso sexual contra mulheres tem aumentado ano a ano. Recentemente, diversas estrelas de Hollywood juntaram-se para denunciar abusos cometidos por figurões do ramo.
No Globo de Ouro deste ano, atrizes e diretoras se uniram em protesto, vestidas de preto, bradaram contra os abusos perpetrados por uma indústria dominada pelo ímpeto masculino. O evento culminou com o discurso de Oprah Winfrey que só veio a complementar entre muitos pontos, o fato de que não mais espaço em nossa sociedade para o abuso e o preconceito contra as mulheres, seja no ambiente de trabalho ou fora dele.
Reparem que em nosso dia a dia temos vários exemplos de ocorrências que apontam para o tratamento dado à imagem da mulher, não nos chocamos como a propaganda de cerveja que hipersensualizam o corpo feminino. Notem que sequer fazem qualquer menção às qualidades e sabores da cerveja. Podemos observar, inclusive, que em tais anúncios o foco da câmera não está no rótulo da cerveja, ou na garrafa, ou na marca. Nada. O foco está no corpo da atendente. Estou falando da cerveja, mas poderia falar de quase tudo: é propaganda de absorvente com mulher nua, lingerie com mulher sendo explorada como objeto sexual, de motocicleta, carros, enfim…
Estou dando essa volta para mostrar que essa forma de tratar a mulher está aí, massificada pelos meios de comunicação que veiculam tais mensagens. Não vou tratar dos gestores das empresas que utilizam tal forma de propaganda. Não tenho a menor dúvida que são responsáveis por isso, no entanto, tenho a percepção de que talvez não enxerguem o que fazem. No ímpeto de alcançar seus resultados, não notam o mal que socialmente propagam.
Todavia, no ambiente de trabalho, em que atuam tais gestores, comportamentos até mais danosos são diariamente repetidos e nem nos damos conta. Quem sofre são elas. E sofrem. Ontem recebi um relato de uma mulher que me disse que essa realidade a acompanhara por 15 dos seus 21 anos de vida profissional. Aqui e acolá. Pensei: 15 anos convivendo com isso?! É desumano!
As condutas são múltiplas: elogios ligados a beleza e forma física, brincadeiras de duplo sentido, mãos que pegam ou encostam, apelidos para dar/trazer intimidade, comentários com outros colegas sobre os atributos físicos (sempre audíveis por aquela que é a detentora de tais atributos) etc. Poderia gastar folhas em elencá-las. Estas são formas até “brandas”. Existem situações em que, face ao poder que de alguma maneira exerce o assediador, por conta de seu cargo ou função, autenticamente este vincula manutenção do emprego, a ascensão na carreira à uma “retribuição” de cunho sexual.
Todavia, tudo isso tem repercussões jurídicas aos envolvidos. O Código Penal, por conta da mudança que sofreu em 2001 pela 10.224/01, caracteriza como crime o assédio sexual nos seguintes termos:
“Assédio sexual”
“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”
“Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.”
Desta forma assédio sexual é o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico da assediada. Pode ser o diretor, o gerente, o chefe, ou sócio da entidade empregadora. Necessário que o assediador tenha poder para influir na carreira, ou nas condições de trabalho da assediada; que passa a temer a demissão, transferência, perda de chance de ascensão (promoção) etc.
A ideia “vendida” pelo assediador é que haverá um “tratamento diferenciado” caso a assediada aceite ceder à vontade do assediador e, no sentido contrário, que sofrerá de represálias no caso de recusa. Na configuração do crime é preciso que se tenha uma ameaça real de perda do emprego, de promoções, de transferência indevida. A situação é do abuso de poder que ofende a honra e a dignidade da assediada, de forma contumaz e reiterada.
Como se sabe, o modo mais comum é um convite efetuado de maneira persistente (“um chopinho depois do expediente” ou “um jantarzinho”), contudo, também se caracteriza o assédio por comentários ousados sobre a beleza ou aspectos físicos, os toques indesejados, abraços mais “apertados e prolongados”, bem como, por atos como a exposição de fotos pornográficas, a solicitação claramente sexual, as conversas repetidas que girem sobre temas eróticos, perguntas embaraçosas sobre a vida pessoal da subordinada. São sempre atos que constrangem e molestam, repetidos, insistentes.
Vale lembrar que a repercussão criminal não está cingida às mulheres que têm um contrato de trabalho com vínculo empregatício, nos moldes celetistas, mas também a qualquer outra forma de contrato de trabalho (prestadores de serviço, diaristas, funcionários públicos estatutários e afins), desde que caracterizado esse poder do assediador sobre a assediada.
Para deixar bem claro: assediador que tem este poder sobre a assediada comete CRIME.
Entretanto, não há apenas consequências nesta seara. Também ocorrem no Direito do Trabalho, onde mesmo o empregador pode ser responsabilizado pelos atos cometidos por seus funcionários e que podem acarretar em severas consequências na Justiça do Trabalho, para ambas as partes (empregado e empregador).
Desta forma, a conivência do empregador denota um risco de ser implicado em possíveis atos de assédio de seus subordinados.
Deve-se deixar bem marcado que a paquera, a sedução, comuns nas relações humanas, não configuram assédio sexual. Porém, para que isso assim se conforme, é preciso que a pessoa “cortejada” sinalize com receptividade ao galanteio, à cantada. Se a abordagem for prontamente reprimida, não há receptividade. Se reiterada e repetida, causar constrangimento, receio, aflição; é assédio. Assédio causa dor, vitima, marca.
Se queremos então combater a violência sexual contra mulheres, devemos fazê-lo naquelas situações mais comezinhas, diárias, que nem parecem violentas. Que tal começar debatendo esse tema em nossos ambientes profissionais, tirando da penumbra algo, infelizmente, tão comum?
A sociedade deve seguir a nova onda de debates. É necessário estar atento para as tendências e perceber que o número de denúncias realizadas aumenta, e consequentemente o número de ações. Não são somente as atrizes de Hollywood que passaram a buscar seus direitos e não se calam mais. São as mulheres em nossa sociedade que estão cada dia percebendo a importância de trazer este assunto à baila.
Vamos dizer NÃO ao assédio sexual às mulheres no ambiente de trabalho. Calar também é uma forma de violência. Somos todos responsáveis por aquilo que acontece ao nosso redor.